por Vitor Tessutti*
Por mais que digamos que a corrida é
uma das atividades mais simples de se praticar percebemos que cada vez os tênis
de corrida ficam mais tecnológicos. Desde o surgimento do primeiro calçado de
corrida em 1852 (www.calcadoesportivo.com) até os dias atuais, muito evoluiu.
Já se fez de tudo um pouco, colocando a pregos na sola para melhorar a
aderência, utilizando a borracha como sola, sendo moldada até em máquinas de
fazer waffle, chegando mais atualmente a
colocar um chip para identificar movimentos do pé e efetuar correções em sua
rigidez, ou definir velocidade e distância percorrida.
Parece
que, entre o antigo e o moderno, muita coisa mudou. Mudou tanto ao ponto de se
pensar em abolir os tênis para corrermos, na tentativa de buscar uma corrida
mais natural como nossos ancestrais na época das cavernas. A justificativa de Lieberman (2012) para isso é melhorar a força
e a propriocepção do pé, diminuir o impacto, e torná-lo menos “preguiçoso” por
todas as funções que o calçado pode apresentar (solas rígidas, suportes de arco
plantar e o controle da pronação).
Em uma posição intermediária entre os
tênis de corrida com sola relativamente alta buscando mais amortecimento, e a
corrida descalça buscando as origens surgiram os tênis minimalistas. Afinal, a
indústria calçadista não poderia perder a possibilidade de vender tênis caso
esta onda da corrida natural realmente vingasse. Com o surgimento desse tipo de
tênis, a proposta é a de proteção do pé, mas deixando-o livre para que o pé e
os seus dedos possam agir mais livremente. Assim, estes tênis têm a
característica de serem muito flexíveis favorecendo uma maior interação do pé
com o solo.
Utilizando-se um tênis como este de
uma forma aguda, ou seja, correndo com ele sem adaptação prévia, percebeu-se
que corredores bem treinados, sem experiência prévia de corrida descalça,
apresentaram uma maior tendência em correr com o meiopé e antepé (contato com o
solo com o pé todo e com a ponta do pé) quando corriam com tênis minimalistas e
descalço (Paquette e colaboradores, 2013).
De uma forma mais crônica percebeu-se que
mesmo com a utilização dos tênis minimalistas por um período de sete semanas de
adaptação não se obteve alguns benefícios esperados como a redução da taxa de
impacto no corpo. Os resultados mostraram que a taxa da força vertical (força
relacionada ao surgimento de algumas lesões) com o uso do tênis minimalista foi
significativamente maior que a situação calçada, mas significativamente menor
que a situação descalça. O pesquisador afirma que após as 7 semanas, o pé ainda
não é capaz de perceber o impacto ou o desconforto no tendão do Calcâneo. Ele
afirma ser necessário um período maior para ocorrerem as adaptações esperadas (Schütte,
2012).
Agora, para os mais céticos quanto ao uso dos
calçados para correr que ainda preferem o bom e velho tênis com calcanhar mais
alto, com mais material que amorteça a corrida existem algumas informações
importantes a serem levantadas. Primeiro, o valor que um corredor gasta na
compra de um tênis vale o quanto ele diz que traz de benefícios a seus pés e ao
seu organismo? Um estudo realizado na Escócia comparou
tênis de 3 faixas de valores:
equivalente a 120 a 135 reais, denominados de barato; 180 e 195 reais,
denominados de médio; e 210 a 225 reais
denominados de caros (acrescente aí um percentual considerável em impostos se
pensarmos nos tênis vendidos aqui no Brasil) de somente 3 fabricantes
diferentes. Os autores concluiram que os calçados de baixo e médio custo
forneceram o mesmo (se não melhor) amortecimento que os calçados mais caros das
mesmas marcas (Clinghan e colaboradores, 2007).
Isso mesmo, os tênis mais caros não obtiveram uma classificação de maior
conforto que os demais.
Em relação à sua durabilidade a pergunta que se
faz é: por quantos quilômetros um tênis deve ser usado? Um estudo nacional
mediu o comportamento biomecânico dos tênis com uma rodagem de 300 km, fazendo
medições a cada 100 km, e concluiu que até essa distância, 300 km, os tênis não
demonstraram nenhuma variável que pudesse demonstrar necessidade de serem
trocados (Bianco e colaboradores, 2011).
Já em relação a como comprar um tênis a
pergunta é: será que a marca pela qual mais simpatizo ou que meu amigo me
indicou será a melhor para a minha corrida? Um estudo da Universidade
Duisburg-Essen, na Alemanha, suspeitava que a marca e sua imagem tivesse uma
influência muito forte sobre os corredores no julgamento subjetivo da qualidade
do calçado. Os atletas correram em esteira, em sua velocidade de costume,
visualizando parcialmente o tênis (parte superior do calçado, sem ver a marca,
denominado de teste aberto) e sem visualizar nenhuma parte do calçado
(denominado teste fechado). Cinco modelos de marcas conhecidas (Adidas, Asics,
Brooks, New Balance e Nike) e uma marca de baixo custo (Deichmann) foram
escolhidos. Os resultados demonstram uma
grande diferença entre os modelos nas notas dadas pelos corredores nas
condições aberta e fechada. Os modelos de marcas conhecidas receberam as
melhores notas no teste aberto. O tênis desconhecido (DE) somente obteve uma
melhor classificação na condição do teste “cego”. Para a condição de corrida
com o tênis com a marca encoberta, o tênis de marca desconhecida obteve valores
melhores que os tênis de Adidas e Asics. Similarmente, os resultados de
percepção de atenuação de impacto foram sempre melhores nas marcas conhecidas e
pior na desconhecida (Hennig e Schulz, 2011). Isso mostra que devemos acreditar
mais em nossa percepção e nem tanto em propagandas.
E para finalizar, uma pergunta que vejo como
muito interessante é: existe função para a alternância de pares de tênis nos
treinamentos e provas de corrida? Malisoux e colaboradores (2013) tiveram como objetivo determinar se os
corredores que usavam concomitantemente diferentes pares de tênis estavam menos
sujeitos a lesões relacionadas à corrida.
Um terço dos 264 participantes se lesionaram na corrida durante a
realização do estudo. Os corredores que utilizavam mais de um tênis tiveram um
índice de lesões 39% menor que os que utilizavam um único tênis. As
estatísticas dos dados obtidos identificaram que o uso de mais de um par de
tênis nos treinamentos foi um fator de proteção. Os autores do estudo concluem
que usar somente um tênis para correr e praticar somente a corrida são
estratégias que podem facilitar o surgimento de lesões pela não variação da
carga a que o corpo é submetido. Esta falta de variação é tanto em relação ao
calçado como à modalidade. Portanto, ter pelo menos dois tênis e fazer outra
modalidade esportiva pode ser muito útil para a sua vida como corredor
(Malissoux e colaboradores, 2013).
Enfim, acho que
consegui mostrar como a corrida não é tão simples quanto parece. Além dessas,
tem diversas outras questões que poderão ser abordadas no futuro já que aqui
procurei me ater mais aos tênis que utilizamos.
1. Lieberman, DE. (2012) What we can learn
about running from barefoot running: an evolutionary medical
perspective.Exerc Sport Sci Rev. 2012 Apr;40(2):63-72. Erratum in Exerc Sport Sci Rev. Jul;40(3):185.
2. Paquette, M R; Zhang, S;
Baumgartner, L D. (2013). Acute effects of barefoot, minimal shoes and running shoes on
lower limb mechanics in rear and forefoot strike runners, Footwear Science , 5:1, 9-18
3.
Schütte, K. H. The Effect of Minimalist Shoe Training on
Lower Limb Kinematics and Kinetics in Experienced Shod Runners .[dissertação].
Faculdade
de Educação. Universidade de Stellenbosch- Africa do Sul. Dezembro 2012.
4. Clinghan, R;Arnold, G. P; Drew,T.S; Cochrane,L. A.,
Abboud,R. J. (2007) Do you get value for money when you buy an expensive pairof
running shoes?Br J Sports Med ;0:1–5.
5.
Bianco, R; Azevedo,
A. P. S; Fraga, C. H. W., Acquesta, F.M; Mochizuki, L; AMADIO, A.
C; SERRÃO, J. C. (2011) The influence of
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Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, n.4, p.583-91, out./dez.
6. Hennig, E.& Schulz, J. (2011). Subjective evaluation of biomechanical shoe
properties during blinded and non-blinded running. Footwear Science. ,
3:sup1, S75-S76.
7. Malisoux, L., Ramesh, J., Mann, R.,
Seil, R., Urhausen, A., &Theisen, D.(2013). Can parallel use of different running
shoes decrease running‐related injury risk?. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports.
* Bacharel em Esporte (EEFEUSP), Mestre em Ciências da Reabilitação (FMUSP), Sócio da Clinica da Corrida, Professor Universitário, Personal Trainer e corredor nas horas vagas.
Excelente texto!! Até "brinco" com meus alunos: "Se o tênis custar mais que R$300 não compre!!!"
ResponderExcluirVerdade Gi, importante saber como orientar os alunos e praticantes de corrida. Acho que quanto mais estudarmos e pudermos aplicar na prática melhor. Boa corrida.
ExcluirVerdade Gi, importante saber como orientar os alunos e praticantes de corrida. Acho que quanto mais estudarmos e pudermos aplicar na prática melhor. Boa corrida.
ExcluirMuito boa a matéria, parabéns é isso ae continue nos dando boas informações. Abs
ResponderExcluirJorge Cerqueira
Ultramaratonista
www.jmaratona.com
Que bom que gostou Jorge!! Em uma próxima oportunidade buscarei algo de ultramaratonas, ok?
ExcluirBom artigo! Respalda ainda mais sobre o que orientamos aos alunos, mesmo eles caindo na tentação do marketing o visual robusto e bom comercial pode definitivamente transformar uma opinião.
ResponderExcluirObrigado Igor!!! Isso sem dúvida é um perigo. Acho que cabe a nós professores, com uma capacidade mais crítica na área, não nos deixar levar da mesma forma que uma parte de nossos alunos!!!
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