sábado, 27 de dezembro de 2014

A DIFERENÇA ENTRE O ANTIDOTO E O VENENO É A DOSE.

por Vitor Tessutti*


Ano para começar e novos objetivos a serem definidos. Se neste ano você começou a correr e já está pensando em corridas mais longas, ou se está pensando na primeira maratona após ter feito sua primeira meia maratona, atente-se a como irá evoluir os seus treinamentos para esses novos objetivos. 

A lesão é um dos grandes inimigos dos corredores e o seu surgimento está atrelado a alguns pontos negligenciados pelos mesmos. Segundo Hrejlac (2004) 60% das lesões são decorrentes de erros na prescrição do treinamento. Estas falhas podem incluir uma excessiva quilometragem semanal, uma rápida mudança na intensidade, e um aumento súbito em treinos de longa distância. Dentre estas, a que daremos destaque aqui é a progressividade do volume de treinamento semanal, ou a quantidade de quilômetros percorridos durante a semana. Esta é uma das principais variáveis a serem controladas dentro do processo de treino.

O volume de treino tem sido apresentado como um fator de risco para a origem de lesões. Uma revisão de 11 artigos feita por Saragiotto e colaboradores em 2014, demonstrou que os artigos que pesquisaram a relação de volume semanal e lesão, evidenciavam que volumes maiores que 64 km/semana tornavam os corredores mais suscetíveis a lesões. Somente um adendo deste estudo: o fator mais evidente identificado pelos autores nestes 11 artigos foi a existência de lesões que ocorreram 12 meses antes do levantamento. Ou seja, quem se lesionou no referido tempo tem que ter mais cuidado ao voltar, pois está mais suscetível a lesão.

Mas, voltando ao volume de treinamento, outro grande fator é a progressividade com que aumentamos o volume semanal. Correr 15 quilômetros em uma semana e na semana seguinte aumentar para 20 quilômetros (aumento de 33%) pode ser um risco que estamos nos expondo ao surgimento de lesões nos membros inferiores segundo um estudo da Universidade de Arhus, na Dinamarca, realizado em 2014 por Nielsen e colaboradores. Segundo os autores, um aumento repentino de mais de 30% na distância semanal, ao longo de um período de 2 semanas, pode elevar o risco para o desenvolvimento de lesões relacionadas à corrida.



Este estudo, denominado de DANO-RUN, pesquisou durante um ano 874 corredores iniciantes que estruturavam o seu próprio treinamento, e, com isso, foram divididos em 3 grandes grupos baseados na progressão de suas quilometragens semanais. Um deles é de regressão ou progressão de até 10% do volume, o outro com progressão de 10 a 30%, e o último com progressões maiores que 30%. Após um ano de estudo, 202 corredores (23,1%) apresentaram alguma lesão.

Os autores consideraram as dores patelofemorais (parte da frente do joelho), Sindrome do trato Ílito Tibial (dor na região lateral do joelho), tendinopatias patelares, Sindrome do Stress Tibial Medial (dor na canela), lesões no Glúteo Médio, Bursite trocantérica (dor na lateral do quadril)  e lesões no Tensor da Fascia Lata (também na lateral do quadril) como lesões relacionadas ao aumento exagerado da distância percorrida.  

Segundo os autores, a taxa de lesão pode ser baixa quando o aumento da distância semanal se der  entre 3 e 7%, em períodos seguidos de 2 semanas. Contrariamente, esta taxa de lesão pode ser elevada quando a progressão ocorrer a 25% nas primeiras semanas e mais 25% no final de 4 semanas, mesmo esta progressão não excedendo aos 30%. O problema, neste caso, é a falta de um período de adaptação para cada elevação de quilometragem.


Para corredores com mais de um ano de experiência, o estudo de Boyer e colaboradores (2014), realizado na University of Massachusetts-Amherst, nos EUA, verificou que corredores com menos de 24 quilômetros semanais têm uma coordenação de movimentos dos membros inferiores diferente dos corredores com volume maior de 32 quilômetros semanais. Neste caso, os corredores com maior volume apresentaram menos lesões nos joelhos. Sendo assim, os autores acreditam que os padrões de coordenação dos movimentos dos membros inferiores na corrida em indivíduos que correm mais são otimizados ao ponto de diminuir a chance de lesões nos joelhos.

Considerando estes dois últimos estudos podemos afirmar que para corrermos com menor susceptibilidade à lesões, precisamos considerar que ao iniciar a corrida é preciso controlar muito bem o quanto do volume semanal será aumentado, respeitando um aumento de até 10% a cada duas semanas. Já para os indivíduos mais experientes, um volume semanal mais elevado pode fazer com que se otimize a coordenação de movimentos dos membro inferiores. Para a corrida, a máxima: “ A diferença entre o antídoto e o veneno está na dose” calça como um tênis extremamente confortável. Você não acha? 


Referências Bibliográficas: 

Hreljac, A. (2004). Impact and overuse injuries in runners. Medicine and Science in Sports and Exercise, 36(5), 845-849.

Saragiotto, B. T., Yamato, T. P., Junior, L. C. H., Rainbow, M. J., Davis, I. S., & Lopes, A. D. (2014). What are the main risk factors for running-related injuries? Sports Medicine, 1-11.

Nielsen, R. Ø., Parner, E. T., Nohr, E. A., Sørensen, H., Lind, M., & Rasmussen, S. (2014). Excessive progression in weekly running distance and risk of running-related injuries: an association which varies according to type of injury. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 44(10), 739-747.


Boyer, K. A., Freedman, S. J., & Hamill, J. (2014). The role of running mileage on coordination patterns in running. Journal of Applied Biomechanics,30(5), 649-654.

* Bacharel em Esporte (EEFEUSP), Mestre em Ciências da Reabilitação (FMUSP), Sócio da Clinica da Corrida, Professor Universitário, Personal Trainer e corredor nas horas vagas.

3 comentários:

  1. Isso serve de alerta para muitos que pensam que, CORRER sem uma preparação específica, vai resolver todos os problemas. Ao contrário, pode gerar muito mais problemas. Parabéns pela informação positiva. Abraço

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    1. Obrigado Grupo Endorfinados!!! Sim, é esta a intenção!!! Mostrar que atrás do "simples" ato do correr existe ciência para tornar esta prática mais segura e duradoura!!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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